Opinião: Prof. Carlos Eduardo Pedreira (PESC) - 01/04/2020
Quando a gente pensava que a Inteligência Artificial iria transformar o mundo de maneira radical, eis que surge um ser vivo de tamanho desprezível e provoca, além de sofrimento, uma mudança avassaladora e permanente. Assim como o vírus causador da AIDS que na década de 80 mudou nossa maneira de nos relacionarmos, o Covid19 impôs o afastamento súbito, e vai seguir distanciando de alguma forma os humanos por muito tempo. Vamos ter de criar novas aproximações, novas formas de relacionamento. No dia a dia, teremos de buscar soluções para os estádios de futebol, para os museus, para os cinemas que talvez infelizmente desapareçam enfraquecidos que já estavam em uma luta inglória frente à Netflix, Amazon e cia. Mudará de forma permanente nossa maneira de comprar, de ensinar e de aprender.
A computação, e não só a inteligência artificial, terá um papel ainda muito mais relevante em nossas vidas. Já pensou o que seria de nós nesse momento sem internet, sem smartphones, sem computador? Em minhas preces, eu rogo pela saúde não só da minha família e amigos, mas do meu computador, não consigo nem pensar o que seria de mim se lhe acontece alguma coisa durante essa fase de clausuro. Mais do que a última smart-frescura em nosso celular descobrimos por exemplo que precisamos de internet para todos e suficiente para podermos nos encontrar, dar aulas, ver filmes etc etc.
Descobrimos nas últimas semanas que não estávamos preparados para uma pandemia, fomos pegos de surpresa e estamos tendo que arrumar o avião em pleno voo. Fomos, de supetão, jogados no palco antes dos ensaios. E poderia ser pior? Claro que sim, já pensou um vírus com a letalidade do Ebola e a capacidade de transmissão do COVID19? Assim como depois do atentado de 11 de setembro quando toda a rotina de segurança nos aeroportos teve de ser trocada, vamos daqui por diante conviver com sistemas de segurança antiepidemias. Será que nos medirão a temperatura ao entrar em grandes eventos? Até que ponto se voltará a abrir as fronteiras, hoje quase todas fechadas?
O COVID19 está nos ensinando que só temos chance de sobreviver em grupo, impossível pensar em uma solução individual, a única saída é a coletiva. Mais do que para não nos contaminarmos, devemos ficar em casa para não contaminar aos demais, ficou claro que é preciso pensar como grupo. E ironicamente a única saída é nos afastarmos, juntos, mas separados. Estamos nos encontrando de outra maneira, descobrindo, por exemplo, o prazer de sair à janela todos os dias pontualmente as 20 00h para bater palmas aos profissionais da saúde ao som da mesma música, Resistiré. ‘Resistiré para seguir viviendo’, diz o refrão. Restiremos enquanto humanidade, não como indivíduos.
O vírus, tão pequenininho, está dando uma lição fabulosa a lideres prepotentes que estão descobrindo que não tem poder de pará-lo com bravatas. Foi assim com Bolsonaro, com Trump e com Boris Johnson, esse último atingido pessoalmente pelo vírus, ou ao menos o único que teve a decência de assumi-lo. Todos os três já enfiaram suas violas no saco e se encolheram com o rabo entre as pernas. Foram sumariamente atropelados pelo vírus e pela sociedade que enquanto grupo, decidiu seguir as indicações cientificas. Afinal, é aí que está acumulado o conhecimento da humanidade.
Importantíssimo, estamos descobrindo que sem ciência não temos chances de sobrevivência. Um investimento de 1% do que se está perdendo nesse momento pela pandemia, provavelmente multiplicaria por 10 o orçamento da pesquisa cientifica nos últimos 10 anos no mundo todo e quase com certeza a essas alturas conheceríamos a vacina. Existe negócio mais lucrativo do que investir em ciência?
Talvez pela primeira vez toda a humanidade tenha um claro objetivo comum, imposto por nosso espirito de sobrevivência. O vírus nos uniu e nos mostrou que somos iguais entre nós e tremendamente frágeis frente a natureza. Essa minúscula criatura foi capaz de colocar todo o planeta de castigo em casa, talvez para nos forçar a refletir um pouco. Hoje vendo os pássaros da minha janela fiquei pensando como eles estão se sentindo vendo os humanos todos presos em suas gaiolas. Tudo isso vai terminar é verdade, mas então o mundo será outro, página virada desse folhetim. Como nos versos de Milton Nascimento e Beto Guedes: Nada será como antes amanhã.
<a> Prof. Carlos Eduardo Pedreira
PESC/COPPE/UFRJ
01/04/2020