Opinião: Nelson Albuquerque de Souza e Silva - 29/03/2020
Resolvi escrever este texto para tentar esclarecer alguns pontos necessários na situação atual.
A discussão entre adotar uma de duas opções opostas: salvar a economia x isolamento social total é uma falsa dicotomia e apenas retarda a tomada de decisões e confunde as pessoas.
Sabemos que o isolamento total não é possível, mas deve ficar claro que este é o objetivo. As medidas a serem adotadas devem indicar claramente que são para todos e em todos os lugares. Quanto menor for o contacto entre as pessoas menor será o contágio e menor será o número de pessoas doentes e portanto, menor será a necessidade de atendimentos no sistema de saúde em curto espaço de tempo. Sabemos que existem serviços que não podem parar: hospitais, supermercados, transportes de cargas e alguns outros. Para que estes funcionem são adotadas medidas de isolamento para as pessoas que trabalham nestes locais essenciais. Essas medidas são definidas de acordo com cada local pois é preciso entender como funciona para adotar as medidas de isolamento necessárias e possíveis. Assim, por exemplo, nos hospitais: define-se um local único de entrada de pacientes, uma triagem para identificar rapidamente quem precisa ser atendido e destes quem precisa ser isolado ainda no local da triagem. Os profissionais que estão triando tem que ser protegidos individualmente com equipamentos adequados. O mesmo para os pacientes nos andares. Os infectados ficam separados individualmente dos demais e com o pessoal necessário ao seu atendimento, com medidas de proteção. Providencia-se locomoção para o pessoal de serviço de sua residência para o trabalho ou outras medidas para garantir transporte o mais isolado possível, e assim sucessivamente. Todo o abastecimento do hospital deve ser planejado com medidas de proteção para quem trás e para quem recebe o material. O isolamento é total mas com individualização para cada situação que não pode ser suspensa. Energia, limpeza, alimentação têm que ser mantidas com medidas especiais. Com isso garante-se o funcionamento dos serviços essenciais e reduz-se ao máximo possível o contágio e portanto evita-se o rápido espalhamento da infecção ao longo do tempo. Para isto são necessárias ações coordenadas em todos os níveis governos federal, estadual e municipal chegando às organizações da sociedade (sindicatos, instituições, ONGs etc) e aos indivíduos e com o mesmo objetivo: isolamento máximo mesmo que algumas medidas pareçam drásticas.
O resto é querer criar confusão. Encaminho junto a esta nota um manual com 68 página para que cada um saiba como se organizar na sua casa ou no seu local de trabalho essencial.
Já temos dados mostrando que entre o não isolamento e o isolamento total precoce o número de infectados no Brasil pode cair de 187 milhões para 11,5 milhões e mesmo com o isolamento total tardio haverá redução para 50 milhões. O número de mortes para estas mesmas ações seriam: 1 milhão e 100 mil para o não isolamento, 206 mil para o isolamento tardio e 44 mil para o isolamento precoce. Ou seja, pode-se evitar mais de 1 milhão de mortes. Isto em um curto período de tempo. É muito mais que as duas bombas atômicas da segunda guerra mundial que juntas mataram cerca de 200.000 pessoas.
É isto que os idiotas que ficam falando que o Brasil não pode parar não conseguem entender. Estarão matando mais de um milhão de pessoas. Se as medidas forem tomadas corretamente haverá repercussão sobre a economia mas se as medidas econômicas também forem tomadas corretamente e concomitantemente com as medidas sanitárias será bem mais fácil sair da recessão pois os recursos econômicos para isto existem, mas alguns governos não querem tomá-las.
O coronavírus está colocando claramente que temos que acabar é com a desigualdade social, com a injustiça social, com esta concentração de renda absurda e principalmente ter um estado capaz de coordenar as ações necessárias. A grande doença é o capitalismo financeiro com sua enorme concentração de riqueza na mão dos 1%. Querem desviar esta discussão e vão inventar tudo que puderem para que a população não se conscientize dessa doença que nos devora há mais de um século, mas se agravou desde 1991.
Os recursos necessários podem vir rapidamente com medidas que busquem recursos nas instituições que acumularam essa enorme quantidade de riquezas. Por exemplo: suspender o pagamento de juros e amortizações da dívida pública por um ano. Isto produziria rapidamente a disponibilidade de 2,5 bilhões de reais por dia para serem aplicados. Taxar as grandes fortunas. Taxar os ganhos de capital. Portanto existem medidas econômicas que rapidamente podem ser tomadas para garantir a renda de todos e manter os empregos de todos. O fundamental é coordenar as ações em todos os níveis de decisão e o SUS está estruturado para isto.
Portanto: Isolamento total já, até que o número de mortos comece a cair drasticamente. Todos tem que saber que isolamento total é com manutenção dos serviços essenciais e cada serviço essencial com estratégias específicas de isolamento.
Só com o isolamento total drástico e coordenado e com medidas econômicas concomitantes poderemos sair desta epidemia com menor número de mortes e o mais rápido possível.
Sair precocemente do isolamento poderá provocar um novo aumento do número de casos e de mortes.
Devido à complexidade do problema é necessário formar equipes competentes de pessoal qualificado e com um sistema de informações em saúde capaz de fornecer dados contínuos para tomada de decisões. Os palpiteiros precisam ser contidos.
Neste momento precisamos de decisões coordenadas e com base em informações continuas.
O Sistema Único de Saúde é crucial neste momento.
Solidariedade e contribuição de todos com seus conhecimentos.
<a> Nelson Albuquerque de Souza e Silva
Professor Emérito da Faculdade de Medicina da UFRJ
29/03/2020
Obs: Os cálculos acima foram disponibilizados na sexta-feira, dia 27/03/2020. pelo Imperial College de Londres com base nos dados da epidemia atual. Estão bem feitos embora tenham que ser aperfeiçoados conforme mais dados nos chegam.
Anexos:
O DATASUS lançou a nova plataforma de monitoramento dos casos de COVID-19 no Brasil clique aqui.
Manual Sobre Prevenção e Tratamento - COVID-19 clique aqui.
Relatório do Imperial College clique aqui (é atualizado diariamente).